Dentre as diversas correntes filosóficas que, ao longo do século XX, intentaram uma reafirmação renovada dos princípios da revelação cristã em suas análises teóricas na realidade moderna, Herman Dooyeweerd, jurista e filósofo neerlandês, é possivelmente o pensador com o projeto filosófico mais abrangente e original, uma vez que, não obstante sempre fiel aos seus compromissos derradeiros, traçou um diálogo com as principais dinâmicas e iniciativas científicas de sua época.
No entanto, a maioria dos cristãos ainda desconhece ou compreende de modo mais ou menos equívoco sua “filosofia da ideia de lei” (ou simplesmente “filosofia cosmonômica”), que, ao lado de outras propostas contemporâneas ao autor, estabeleceu as bases de uma tradição conhecida por “pensamento reformacional”.
Ora, este livreto do professor e filósofo Daniel F. M. Strauss é uma excelente introdução à filosofia cristã de Herman Dooyeweerd, já que, à maneira de um panorama acessível, apresenta ordenadamente as intuições fundamentais e os diálogos do filósofo neerlandês com o contexto intelectual do século XX.
- ISBN: 9788595930780
- Acabamento: Brochura
- Páginas: 120
- Edição: 2024
- Tradutor: Fabrício Tavares de Moraes
- Autor: Daniel F. M. Strauss
APRESENTAÇÃO À EDIÇÃO BRASILEIRA
Dooyeweerd e Strauss: sistematizadores das ciências
Creio que, com alguma justiça, podemos dividir a apropriação da filosofia de Herman Dooyeweerd[1] em duas correntes: a existencial-especulativa e a científico-sistemática. A primeira[2] caracteriza-se pela ênfase dada ao drama e dinâmica do espírito humano em sua relação com Deus. Aqui, refiro-me às concepções doyeweerdianas de “ser como sentido”, tempo cósmico e o movimento transcendental inerente às reflexões sobre as condições de possibilidade do pensamento teórico — a crítica transcendental — e o processo de abertura. Com relação à segunda, penso no Dooyeweerd sistematizador das ciências; o construtor de um quadro teórico sistemático e biblicamente orientado,[3] que tematiza os conceitos básicos das ciências — isto é, os conceitos que as ciências pressupõem, mas não investigam. Julgo que o professor Strauss pode ser enquadrado nesta última corrente.[4] Afinal, a obra-prima de Strauss, Philosophy: discipline of disciplines [Filosofia: disciplina das disciplinas] é precisamente uma continuação e ampliação da sistemática de dooyeweerdiana.
Começando pela sua tese de doutorado, Begrip en Idee [Conceito e ideia], Strauss consolida-se como uma figura importante na terceira geração de filósofos reformacionais. Para além da exposição, em sua tese, de uma seção histórica, que consiste numa exposição do desenvolvimento da distinção entre conceito e ideia[5] dos gregos até a filosofia analítica, e de uma seção sistemática, que apresenta a importância da distinção para a formação de conceitos nas ciências especiais, Strauss aponta para um possível problema na relação-Gegenstand — tão cara a Dooyeweerd — afirmando que essa é incompatível com a sistemática dooyeweerdiana, bem como inerentemente antinômica.[6] Tudo isso é levado a cabo com segurança teórica de alguém que é muito bem treinado científica (tanto nas ciências naturais quanto nas humanidades) e filosoficamente.
O trabalho do prof. Strauss nos lembra que a filosofia de Dooyeweerd é, do começo ao fim, articulada em diálogo com as ciências. Ao passo que a filosofia fornece o quadro teórico abrangente a partir do qual as ciências articulam-se, as descobertas científicas, por seu turno, confirmam ou não o sistema filosófico proposto. Uma vez verificada a inadequação total ou parcial do quadro proposto, este deve ser alterado ou até mesmo totalmente rejeitado,[7] acentuando que a concepção de sistema proposta por Dooyeweerd e Strauss se distingue da tradição especulativa do idealismo alemão, com sua derivação a priori da própria ciência.
O livro que o leitor tem em mãos propõe uma sucinta introdução à filosofia de Dooyeweerd, o que significa um tratamento equilibrado dos principais temas de sua filosofia. Ao longo do texto deve ficar claro ao leitor a orientação científica da filosofia dooyeweerdiana e, portanto, sua relevância para as ciências particulares ainda nos dias de hoje.
— Israel Pacheco da Costa
[1] Poderia ser dito filosofia da ideia cosmonômica ou reformacional, mas a figura de Vollenhoven e, em menor medida, Stoker, são irredutíveis à filosofia de Dooyeweerd, ainda que partilhem de um senso de comunidade.
[2] Aqui, tenho em mente sobretudo Henk Geertsema e Johan van der Hoeven.
[3] Isso significa, na dimensão teórica, uma confissão na soberania de Deus como criador de tudo que há e, por conseguinte, o estabelecimento das ideias reguladoras de irredutibilidade e coerência mútua entre o que é criado, ou, respectivamente, soberania e universalidade das esferas.
[4] Dirk Stafleu é outro importante nome nesse contexto.
[5] O leitor deve se lembrar que tal distinção é essencial para a filosofia de Dooyeweerd como um todo.
[6] Pode-se constatar a relevância da crítica do prof. Strauss quando lembramos que o próprio Dooyeweerd — um ano antes do seu falecimento — escreveu uma réplica publicada na revista Philosophia Reformata. Sobre a réplica do filósofo neerlandês, ver Herman Dooyeweerd, “The Epistemological Gegenstand-relation and the logical Subject-Object-Relation”, Philosophia Reformata, vol. 41, n. 1-2, 1976. Um resumo da crítica do Strauss pode ser encontrado em D.F.M. Strauss, “An Analysis of the Structure of Analysis”, Philosophia Reformata, v. 49, n. 1. 1984, p. 35-56.